Damião o herdeiros dos 'loucos' de Areial

Grupo Experiência Subterrânea em "Das saborosas aventuras de Dom Quixote de La Mancha e seu fiel escudeiro Sancho Pança

Toda comunidade tem seu louco. Ele não precisar ter o diagnóstico psiquiátrico. No entanto, o ‘doido’ é uma figura central da cidade pequena. Sempre há uma explicação para sua loucura. Dom Quixote de La Mancha enlouqueceu de tanto ler livros de cavalaria. Passou a confundir realidade com romance e combater moinhos de vento como se fossem gigantes. Outros ficam malucos de estudar, garantem.

Em Fogo Morto, de José Lins do Rego, o maluco é o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, sem dúvida, a maior personagem do livro. O decadente senhor de engenho, montado em seu burro velho, ‘talqualmente’, o escudeiro de Quixote (Sancho Pança) é perseguido pelos moleques da cidade, que o apelidam de “Papa-rabo”.

A figura do biruta numa comunidade é uma coisa quixotesca e engraçada, a divertir o povo como se fosse o bobo da corte. Em minha infância, lembro-me de muitos deles, alguns vivos até hoje. Não foram esquecidos, pois fazem parte de minha história, como nossas lembranças e nossos parentes. Nunca vou esquecer Geraldinho “o coração parou”.

Indo visitar minha família esses dias, percebi uma coisa que nunca havia pensado a respeito. Quando nascemos essas figuras excêntricas já estão lá; não acompanhamos seu desenvolvimento. Olhando nas ruas da cidade que passei minha infância, percebi um adolescente que vi nascer e crescer se transformando no doido local. 

É estranho se deparar com isso. Ele é neto de minha vizinha (Ninha de Manoel Romão). Damião deve ter entre 17 e 18 anos e hoje é o “doidinho do violão” a divertir a multidão. Pedem para que ele fale coisas, com sua voz característica e de pronúncia inarticulada. Riem de sua deficiência como se fosse a coisa mais normal.

Atualmente, deram-lhe óculos escuros e um violão. Pedem para que cante as músicas populares com seu jeito peculiar. Dão-lhe de comer e de beber e até têm um certo respeito por ele.  Como é o “maluco”, não lhe podem fazer raiva, porque quando fica zangado... “acunha” pedra no povo. Só é doido verdadeiramente aquele que atira pedra.

Porém, não rasga dinheiro. Mas é a diversão popular. Já tinha visto muito louco adulto a ser motivo de chacota, porém não sabia como nasciam os “doidos” ou como nossa sociedade vem criando essas figuras místicas e surpreendentes, quase em extinção na atualidade. 

Segunda-feira (03/01), encontrei-me com ele na esquina de Mário Romério (de Sino, Rua do Campo), perguntou minha opinião sobre seus óculos e me mostrou seu violão muito enfeitado tal qual a bicicleta de seu Zé Bebé. Chamou-me pelo nome de meu irmão mais novo, mas quis saber como eu estava e onde morava. Pensei comigo mesmo: ele não parece tão mal, foi mais cortês que muitos “normais” com quem convivo diariamente. 

Damião é essa figura, herdeiro dos loucos que povoaram Areial e portador de um instrumento musical para fazer zoada, como fazia “Cíco” Beiju. Fizeram uma comunidade no Orkut com foto e suas frases mais importantes. 

E assim segue a vida em Areial, como em 'Cidadezinha qualquer',  de Drummmod: “Um homem vai devagar/Um cachorro vai devagar/Um burro vai devagar/Devagar... as janelas olham. No entanto, ouvindo a música e o canto de seus malucos, “os loucos e os visionários são os dicionários dos sonhos de Deus”, como diz Bráulio Tavares.

 Zélio Sales

Filho de Margarida dos Santos  Sales (de seu Zé Pedro) e Sebastião Salles (Basto Gabriel). Jornalista, blogueiro e descobridor de mundos. Nasci em Areial, mas vivo em Campina Grande, desde 2006.